“Ninguém convida um homem de 88 anos para ser ministro”, disse Delfim Netto, nessa entrevista exclusiva ao 247 em seu escritório ao lado do estádio do Pacaembu, em São Paulo, mas confirmou a visita do ministro Jaques Wagner antes da troca de Joaquim Levy por Nelson Barbosa.
Último sobrevivente dos governos militares, em ótima forma, por sinal, ele revelou que só não foi governador de São Paulo nos anos 70 porque Geisel não deixou, temendo que desse modo se tornasse, na sequência, o primeiro presidente civil da ditadura com a ajuda da “Avenida Paulista”. “Ele achava que só generais podiam mandar no Brasil”, alfinetou ele, com um sorriso irônico.
Também contou o que Costa e Silva disse ao neto quando seus coleguinhas chamaram seu avô (ele) de “burro”; disse que Médici era um doce de pessoa e abriu que o hobby de Figueiredo era resolver problemas de Geometria Plana. Adepto, hoje, da “liberdade e da igualdade”, garantiu que os militares não querem e não vão voltar: “O regime autoritário matou o regime autoritário”.
Disse, também, que o impeachment não faz sentido – “Dilma é absolutamente honesta”; exaltou Lula – “uma inteligência absolutamente brilhante”; e garantiu que Hélio Bicudo redigiu o processo de impeachment “movido por paixões cegas”. A respeito dos “Diários” de Fernando Henrique foi categórico: “O livro é melhor que o governo”.
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O que está acontecendo no Brasil? É uma guerra contra a corrupção? É guerra da esquerda contra a direita?
Direita e esquerda hoje no Brasil é sinal de trânsito. O que que é ser esquerda? O que que é ser direita? No passado ainda tinha algum significado, sempre foi muito exagerado, inclusive. Mas quem é que hoje não quer liberdade, igualdade? De forma que já não se distingue uma coisa da outra, pelo contrário, eu acho que o Brasil tem uma constituição bastante razoável nesse sentido. Ela tem dentro dela, implícita, uma sociedade bastante civilizada.
Mas por que então querem derrubar a Dilma?
Não tem que querer derrubar a Dilma. Na minha opinião tudo isso é uma tolice. Primeiro que eu acho que não tem nada contra a Dilma. Podem dizer o que quiserem. Na minha opinião a Dilma é absolutamente honesta. A Dilma tem honestidade de propósito. A Dilma até tem algumas ideias interessantes, como ela fica procurando o tempo todo modicidade tarifária e por conta disso de vez em quando ela faz uns escorregões. Mas, na minha opinião, nunca houve um desvio de conduta. O Brasil não é uma pastelaria, ou melhor, estamos pretendendo não voltar a ser uma pastelaria. O impeachment na minha opinião não tem a menor razão de ser.
E foi estranho como tudo começou. Começou no segundo dia do segundo governo.
Mas aí é o seguinte: eu acho que houve uma provocação muito séria durante o processo eleitoral. E, na verdade, o processo eleitoral escondeu os problemas. Porque uma coisa que é preciso entender é a seguinte: a Dilma, em 2011, fez um governo primoroso. Primoroso! Corrigiu alguns exageros do Lula…cresceu 3.9… 6.2 de inflação…reduziu a relação dívida-PIB… fez um superávit de 3%, de forma que quando começou 2012 ela começou com uma aprovação gigantesca. E, agora, o que é interessante é que todos os erros que ela cometeu quando ela estava com a aprovação muito grande foram fortemente apoiados pela sociedade. Se você acompanhar o Data Folha você vai ver o seguinte: quando ela põe a mão na energia elétrica e que foi um desastre subiu a aprovação dela dramaticamente! Quer dizer, o povo estava a favor do erro! Quando ela pôs a mão na taxa de juros real subiu mais ainda! Ou seja: ela errou, mas não errou sozinha. Ela errou com a solidariedade do povo. E fazendo uma intervenção cada vez maior, produzindo um desequilíbrio interno, controlando preço, fazendo tudo isso, mas o singular é que tudo isso com aprovação crescente! Hoje está todo mundo contra porque esqueceu. Ninguém tem memória. Ela, vendo a aprovação subir, imaginava que estava certa. Até ter a surpresa de 2013, quando desaba tudo com aquela passeata dos 20 centavos.
A agitação política influi quanto na economia?
A influência é muito profunda. Aí, o que eu acho mais grave, em cima dessa queda dramática de aprovação: começou 2014, o ano da eleição. Aí, não! Aí ela se perdeu de verdade! Aí ela usou o axioma de Maquiavel: o primeiro dever do poder é continuar poder. Então, daí pra frente, principalmente a partir de março foi uma tragédia! Já vinha sendo reduzido o ritmo do crescimento por causa daquelas intervenções exageradas nos preços, a redução de investimentos, a perda completa da confiança do investidor, começou a cair a receita porque estava caindo o PIB, a despesa não se controlou e continuou subindo, de forma que, quando termina 2014 é que se vê o desastre! Em dezembro de 2013 a situação era delicada, estava crescendo menos, mas não tinha tragédia nenhuma. A relação dívida-PIB era 56%, teve ainda um superávit primário de 1.8…um déficit fiscal em torno de 3…o ano de 2014 é um desastre! Termina de uma maneira brutal! O déficit que era 3 passa a 6! O superávit que era 1.8 passa a -0.6 e dá um salto a relação da dívida externa com o PIB de quase 6%. E aí vem a reeleição. Na reeleição eu acho que foi o grande problema. O discurso que ela fez anteontem no café da manhã é o que ela devia ter feito no dia da eleição. Devia ter dito “não, eu exagerei, eu fiz porque achei que tinha condição de fazer e vou mudar”. Porque ela fez uma mudança na estrada de Damasco sem convencer ninguém. Nunca funcionou mais, foi uma pena.
O processo de impeachment piorou ainda mais a situação da economia ou não?
Tudo isso já é consequência. O sistema está completamente desarrumado.
E o papel do Cunha na sua opinião condiz com o cargo de presidente da Câmara?
Na minha opinião, primeiro, Cunha deu uma visibilidade… Vamos dizer as coisas como são… o Cunha pôs o Legislativo para funcionar! Era um instante para ser aproveitado, porque ele fez trabalhar a Câmara. Dilma tinha perdido o protagonismo. Ela não conseguiu controlar. Foi se desintegrando. O problema todo dela é que eu acho que depois da posse ela não conseguiu recuperar o protagonismo. Ela ficou numa situação em que você tem um presidencialismo de coalizão que nem “presidencializa” nem “coaliza”. A solução era ela voltar a assumir o protagonismo. Fazer o que tem que ser feito. Ela agora está começando a dizer o que precisa ser feito. Há coisas que não têm nada que ver com ideologia. Muito mais importante que ser ideólogo é saber a regra de três. Esse é o grande problema do PT. Não sabe a regra de três. Ponto final.
Como foi sua aproximação com o PT e com Lula?
Deixa eu lhe dizer. Eu me dei bem com Lula sempre. Inclusive quando o Lula era presidente do sindicato. O Lula sempre foi muito cooperativo. O Lula é uma inteligência absolutamente brilhante! Não adianta discutir, o Lula é um diamante bruto! Eu sempre brinco com o Lula: se ele tivesse feito a USP ele estava perdido!
Ia piorar?
Ia piorar muito. Lula é um pragmático. Lula tem uma noção muito clara das limitações físicas, Lula tem um pragmatismo extraordinário, na minha opinião, ele prestou um bom serviço ao Brasil. Você pode ficar triste, dizer que ele devia ter feito outra coisa, poderia até ter feito outra coisa, mas não teria resultado no que resultou. No fundo, essa inclusão social, que foi um acidente construído pelo vento externo, fabuloso, foi absolutamente fundamental. Mudou a concepção da sociedade brasileira. Eu acho que é preciso reconhecer essas coisas.
E essas acusações contra ele mancham a biografia?
Esse é um negócio que a gente não sabe,… é uma coisa que eu espero que a Justiça resolva isso tudo. Na minha opinião é uma ilusão pensar que a Lava Jato atrapalha o crescimento. Não. A Lava Jato, daqui a cinco anos, será um fator poderosíssimo de crescimento. Ela está fortalecendo as instituições. Claro que o Brasil vai sair muito mais forte. A Lava Jato é um ponto de inflexão na história do Brasil. Todos os países passaram por um ponto de inflexão como esse. Há muitos anos. Estados Unidos teve um ponto de inflexão como esse no século XIX. Quando foi necessário, realmente, pôr as coisas em ordem. Vários países tiveram situação parecida com essa no seu processo de desenvolvimento.
A Petrobrás sempre foi um antro de corrupção?
Não acredito nisso. A Petrobrás sempre foi uma empresa que tinha uma autoestima muito forte. Ela sempre teve uma visão voltada para a tecnologia. A Petrobrás, infelizmente, foi um instrumento de poder muito mal utilizado, essa é que é a verdade. E hoje eu tenho sérias dúvidas sobre o futuro da Petrobrás.
Ah, é? O abalo foi muito grande?
Com todos os méritos que tem… mas a Petrobrás é uma estrutura corporativa independente do Brasil.
É um país quase?
Tem seus próprios objetivos… e infelizmente eu acho que… no fundo, o petróleo vai ser substituído.
Quando? Já me disseram que está para acabar há muito tempo.
A era do petróleo não vai acabar por falta de petróleo. Como a idade da pedra não acabou por falta de pedra! No fundo, hoje é visível que, nesse processo de intervenção do homem sobre a natureza o uso do combustível fóssil foi o principal elemento de destruição do meio ambiente. Queiramos ou não, ele vai sendo reduzido. Todos os países estão num processo de substituição que vai crescer. A tecnologia está avançando dramaticamente. Hoje você já produz energia eólica, solar a custos muito competitivos. E vai prosseguir. Há toda uma revolução em marcha. O petróleo vai ser usado para coisas nas quais ele é insubstituível. Mas no transporte seguramente ele vai diminuir muito. De forma que hoje eu tenho sérias dúvidas sobre se nós vamos ter condições realmente de recuperar a Petrobrás… começo a achar que chegamos tarde demais…
Estou impressionado com o seu aspecto. Fez plástica ou o que? O seu rosto é de criança.
Essa é a vantagem de ser gordo. É a única vantagem de ser gordo.
Não tem rugas?
De jeito nenhum! Não faço nada, nunca fiz nenhuma aventura.
Está tão jovem que outro dia foi convidado para ser ministro de novo, foi isso?
Isso é história… vocês acreditam na imprensa?
Por isso quero saber direto da fonte… não teve esse convite do Jaques Wagner? Ele não esteve aqui?
Deixa lhe dizer. Eu conversei com Jaques Wagner. Nós somos amigos há muitos anos, fomos companheiros no Congresso. Ele esteve em São Paulo, me visitou. Não tem… isso é um pouco de exagero… eu fico espantado como as pessoas acreditam na imprensa!
Mas se houvesse um convite qual seria sua resposta?
Ninguém vai convidar um homem com 88 anos para ser ministro. Não dá. É pura conversa isso.
Não tem mais energia para isso?
É claro que não, né? Bem que eu gostaria de ter…
É difícil ser ministro?
Só quem já viveu aquilo é que sabe…acha que é brincadeira… não é, não.
Foram dezoito anos no poder!
Vinte.
De 67 em diante foi praticamente direto até 85, ministro, embaixador…
Eu tenho, na verdade, 45 anos de governo. Um pouco mais, até. Chega a quase 50.
Você é o homem com mais experiência de governo no Brasil.
Pelo menos o mais velho! Mas eu acho que hoje o mundo mudou muito. Não vamos ter ilusão. E o Brasil melhorou muito.
Me diz uma coisa: tem gente aí que foi para a rua pedir a volta dos militares. Você acha que os militares querem voltar?
Não, de jeito nenhum! Nem voltarão! As pessoas não entenderam é que o próprio regime autoritário matou o regime autoritário.
Como foi isso?
Quando você mudou as regras das Forças Armadas. Ninguém mais fica nas Forças Armadas, como oficial superior, mais de quatro anos em cada posto. Ou vai para o posto seguinte ou vai para a reserva. De forma que não há mais como criar aquelas lideranças extraordinárias… aquele tenente que se transformou num gênio… isso terminou. A revolução liquidou definitivamente a oportunidade de intervenção militar. Essa é uma coisa muito profunda… é que as pessoas não têm noção…E da separação profunda que sempre existiu entre a estrutura militar e a administração. A administração sempre foi civil.
Mas, me diga uma coisa: como é que você, um cara sabidamente inteligente se entendia com generais?
O general é uma pessoa inteligente. Essa subestimação de vocês custa caro, de forma que…no fundo, eles são patriotas. Tudo isso aí, eu acho, é uma tolice! Eram duas estruturas diferentes de poder. Sempre foram. E foi por isso que foi possível fazer a transição, simplesmente… tranquila… nunca houve nenhum problema.
O Costa e Silva não interferia na economia?
Eles nunca, nunca…
Como é que era ele, conta um pouco…
Ao contrário do que dizem o Costa era uma pessoa muito bem arrumada. E inteligente. Costa era tríplice coroado. Ninguém consegue esse negócio gratuitamente. As pessoas brincavam. As pessoas diziam que o Costa era burro. Ele não sabia que o Brasil era tão alto…tudo uma tolice! Ninguém chegaria aonde ele chegou… Uma vez ele mesmo me contou uma história. O neto dele chegou em casa e triste, porque tinha vindo da escola. Ele chamou o neto. “Você está triste por que”? “É… não sei o que”… “Falaram mal do teu avô na escola, não é”? O menino acabou confessando: “falaram, sim”. “Disseram que teu avô é burro, foi isso”? “Foi”. “Então, amanhã você pergunta pra ele onde é que está o avô dele”…Isso é tudo mito, isso é história!
E a doença dele? Como foi aquilo?
Se ele não tivesse tido aquele negócio ele teria assinado a reforma institucional em setembro e ia ter eleição! Ia terminar o jogo! Ia ter eleição! É que deu aquele problema, veio a Junta… aí as coisas foram piorando, foram se atrapalhando, mas o AVC do Costa e Silva mudou completamente a história.
E não teve nenhuma conspiração nisso?
Não, nada, que conspiração coisa nenhuma! Tanto que o vice –presidente… é que ele tinha feito as reformas… que é o… Pedro Aleixo… que foi afastado quando se formou o triunvirato, mas… não tinha nada. Ele teria feito – isso você pode escrever, porque é verdade – teria terminado o mandato do Costa e Silva com uma eleição direta.
Naquela época você por pouco não foi sequestrado, não é?
É o que diziam… eu sempre brinco… dizem que era o grupo da Dilma… eu ia sofrer da crise de Estocolmo, ia me apaixonar pela raptora.
Um dos líderes da VPR me disse que também não conhecia esses planos, mas havia croquis e tudo… de um sítio em Jundiaí, a 60 quilômetros de São Paulo.
Encontraram o croquis do sítio do meu cunhado, onde eu frequentemente ia para um churrasco…
E o plano era sequestrar nesse trajeto.
É o que dizem…mas não provam. Mas naquele tempo era até possível isso.
Eles só não sequestraram porque caíram antes. É o mesmo grupo que roubou o cofre do Adhemar.
Na verdade, eu soube disso muito tempo depois. É possível que isso tenha havido. Me mostraram os croquis.
Mas na época não houve nenhuma ameaça?
Não. Na verdade, nós andávamos na rua livremente. Eu jantava toda noite no Bistrô.
Naquele tempo era diferente…
Era outro mundo. Solnik, o Brasil mudou! As pessoas se recusam a entender esse fato. O Brasil é infinitamente melhor do que foi. Tudo mudou. Melhorou tudo.
Agora, uma coisa que não mudou é a caricatura, né? Outro dia, eu conversando com o Lan… lembra do Lan?
Muito! É uma grande figura o Lan! Todos eles, aliás… o Chico… eu tenho mais de 300…
Ele me disse que quando você estava no ministério da Agricultura um assessor telefonava todo dia ao Lan dizendo “olha Lan hoje o ministro pediu para você esculhambar tal coisa para ele poder reivindicar com o presidente”!
Deixa eu lhe dizer uma coisa. Eu sempre mandava comprar o original. Isso que você está vendo é tudo comprado. Estão todos aí os originais. Eu tenho mais de 300 guardados. O sujeito fazia a caricatura com ódio. Quando eu mandava comprar ele ficava furioso, mas recebia a graninha.
E diminuía a fúria…
Não… Ele dizia: bom, cada vez que eu estiver precisando de uma grana vou fazer uma. Deixa eu lhe dizer: nunca houve censura na área econômica. Por isso é que vários excelentes analistas políticos se transformaram em analistas econômicos. A economia não tinha muita importância. O problema era a política.
Eu fugi da faculdade de Economia, entrei no ano da guerra na Maria Antônia, que era na esquina…não devia ter fugido!
Você foi fazer a sua carreira! Ninguém escolhe a profissão; a profissão é que te escolhe. Se você tiver sorte, se ela te escolher direito você nunca vai trabalhar! Você só vai viver! Eu tive uma sorte louca! Eu nunca trabalhei! Eu nunca tirei férias… continua até hoje…porque eu vivo o que eu faço. Então, é uma grande alegria, eu me realizo plenamente. É uma realização pequena, mas é isso aí. Agora, se o sujeito tem sorte, dá certo com a sua profissão, ele vive de uma forma bastante bem. No fundo, você sabe o seguinte: você simplesmente é um acidente. Você está aqui por um acidente. Encontraram-se uma Maria e um José. E produziram o Antônio. Esse Antônio sabe que é uma coisa única. Ele está aqui de passagem. Nunca mais vai voltar.
Parece que não. Napoleão não voltou mais, parece…
Então, o que acontece? Tenta usufruir essa oportunidade vital da melhor maneira possível.
Michel Temer é seu amigo?
Muito. Eu gosto muito dele.
Como entendeu o seu papel em 2015?
Não, o Michel é um cavalheiro. O Michel nasceu num tempo em que havia mais educação. O que caracteriza esta época é a falta de educação. Ou talvez seja o seguinte: essa evolução tornou aquela educação uma coisa do passado. O desrespeitar o amigo depois que ele virou inimigo.
Ele teve alguma participação na conspiração contra Dilma?
De jeito nenhum! O Michel? Pelo contrário! O Michel foi vítima das entourages, como todo mundo é vítima das suas entourages.
O Cunha é que o instigou?
Não, nem Cunha nem nada, Cunha não tem nada que ver com isso.
Mas o Cunha é que instalou o impeachment…
O Cunha cumpriu o seu papel. O Cunha é o mensageiro, o Cunha não é a notícia. Então, eu acho que é um equívoco. Você pode dizer o que quiser do Cunha…é o que eu disse… o Cunha, no início melhorou muito o protagonismo do Legislativo…mostrou que podia ser um Legislativo realmente independente…
Mas ele é do PMDB, que é aliado ao governo e se declara oposição? Não é traição?
Ele sempre foi de governo. Quem fez oposição a ele foi o governo. O governo tentou impedir que ele fosse presidente. Não foi o Cunha que começou essa guerra! Então, eu acho o seguinte: se é bom, se é mau, essa é outra questão… mas vamos aos fatos: o governo se organizou para impedir a eleição do Cunha! E ele bateu no governo. Ponto final. Agora o governo tá batendo nele. Ponto final também.
E agora? Qual é o próximo round?
Não tem próximo. Eu acho que isso vai continuar.
Essa guerra do impeachment vai continuar?
Eu acho inclusive que vai haver até… não é possível que você imagine que os 540 deputados… 513 deputados, que são a nação, decidam abrir um processo, que há razões para a abertura do processo… eu não sou jurista, mas o que a constituição diz é o seguinte: o Senado abrirá o processo! O senado não pode decidir se vai ou não abrir. Mesmo porque o senado hoje é um terço de suplentes, que não têm um voto. Nunca tiveram voto. Só financiaram aqueles que têm voto. Na minha opinião, é um “principismo” que ignora o mundo. É um “principismo” de costas para o mundo. Eu espero que essas coisas vão até ser repensadas. Agora, o impeachment está andando… volto a insistir: não creio que haja nenhuma… ela nunca cometeu um desvio de função… não adianta me dizer “não, ela assinou isso, ela assinou aquilo”… ela fez aquilo que todos fizeram. E agora corrigiu tudo. Até se redimiu. Nesse último lance em que, na verdade, corrigiu 72 bilhões de patifarias do passado. Agora, quem não fez isso? Dom João VI fez algumas! Não gostar da Dilma não é condição necessária para tirá-la! Passeata de verde e amarelo, em cadeira de roda, com netinho do lado não é condição para tirar! Passeata vestido de vermelho não é condição para deixá-la! O impeachment tem que ser uma coisa absolutamente técnica. Tem que ter uma violação razoável, tem que ter uma violação de princípios. Tem que ter, na verdade, um desvio de função provado. Então, é a medida salutar, é a medida que a própria constituição dá para a sua correção. Não acredito que isso exista. Talvez possa ser provado, não sei…
Mas por que um jurista com grife como Hélio Bicudo redigiu o impeachment?
No fundo, Solnik, as paixões, elas cegam. Tanto de um lado quanto do outro. Eu não vejo nenhuma razão e vou lhe dizer mais: as instituições estão mais fortes do que sempre foram. A melhor coisa é aprender que voto tem consequência. É aprender que segundo turno não é para escolher quem você quer, é para você escolher o menos pior. Quem vota em branco no segundo turno é um imbecil. Então, tem que voltar para segunda época mesmo… aguentar três anos de desgraça… no quarto ano ele vai dizer: bom, agora eu tenho que pensar direito no que eu vou fazer porque depois não adianta ir passear na rua. Não há nada mais didático do que fazer o cara entender que o seu voto tem consequência. E também não tem mais nada didático do que dizer: pode passear à vontade porque a democracia permite. Mas só que não é razão suficiente para mudar no meio do caminho.
Você acredita no que dizem alguns que a imprensa é golpista e quer derrubar o governo?
Deixa eu te contar uma coisa. A imprensa é fundamental. Mao Tse Tung tem um trecho em que ele diz: “a única forma da gente saber o que acontece no país é tendo imprensa livre; infelizmente, ela é incompatível comigo”. Ninguém sabe o que acontece no país sem a imprensa livre! Essa inquietação que a imprensa adquiriu é parte do aperfeiçoamento das instituições. Nós caminhamos léguas. Por que? Porque o Brasil foi um país que em três, quatro anos incorporou toda essa tecnologia de comunicação para virar um país absolutamente avançado. Qualquer moleque tem aí quinze dispositivos à sua disposição. O sujeito vai a um restaurante almoçar com você e está com o negócio ligado para saber o que estão dizendo na Globonews, pô!
Roberto Marinho teve ajuda do governo militar para erguer seu império?
O Roberto era um grande empresário! A gente precisa reconhecer… primeiro… era um homem corajoso e um grande empresário! E um sujeito afinado com a tecnologia do seu tempo. Tanto é verdade que ele assumiu um negócio do qual não tinha a menor ideia. E transformou num império. Ô Solnik, você sabe qual é a pior coisa no Brasil? A coisa mais terrível que pode acontecer com um sujeito? É ter sucesso. O brasileiro convive muito mal com quem tem algum sucesso. Hoje ninguém mais controla a tecnologia. Ninguém mais controla esse negócio. Realmente, a rede é um troço que transcende a comunicação escrita. O papel. Em um minuto o sujeito no interior do Amazonas sabe o que aconteceu em Porto Alegre. Num bazar em Bagdá soltam uma bomba, ao meio-dia aqui você sabe. Isso mudou o mundo completamente. Mas também os seus netos…
Não tenho netos. Você tem?
Tenho um neto. Eu tive muita sorte na minha vida. Ganhei um neto com 82 anos. É a melhor coisa do mundo. Mas o que eu digo é o seguinte. É que você vê que ele já nasce com o hardware pronto. É um outro mundo já, é um outro mundo para eles. Tudo mudou. O que mais me espanta é as pessoas não reconhecerem esse fato. O Brasil, hoje, é muito melhor do que foi em qualquer momento. Com todas as dificuldades que estamos vivendo. Que são passageiras. É ilusão. Nós não temos competência para impedir o Brasil de crescer.
Por que você nunca foi prefeito, governador, presidente?
Governador, na minha opinião porque eu tive uma divergência com o Geisel.
Como foi isso?
O Geisel simplesmente não queria… porque o Geisel imaginava o seguinte: quem tem que mandar no Brasil é general…não economista. E ele imaginava que se eu fosse governador de São Paulo talvez eu, e, como ele dizia, mais a Avenida Paulista íamos impedir a continuidade…. na eleição teríamos um papel a desempenhar… Mas nunca teve nem nada muito importante. Mas isso não tem a menor,,.também…ser ou não ser é um acidente.
Para você não ser governador Geisel te mandou para ser embaixador em Paris?
Foi. No início eu me amolei um pouco, mas depois aprendi muito, estudei muito. Fiquei três anos. E um ambiente excelente. Um ambiente de gente inteligente. Que respeita a hierarquia. Paris vale a missa. Paris é outro mundo!
Como era o Figueiredo?
Você sabe qual era o hobby do general Figueiredo?
Cavalos!
Não. Exercício de geometria plana! Quando eu viajava ele pedia para trazer livros de exercícios de geometria plana! Cavalo também era um hobby. Outro tríplice coroado! A ideia de que… era um sujeito voluntarioso, mercurial… mas isso não são defeitos capitais, são defeitos veniais. Todos eles… É ilusão pensar que algum deles fosse despreparado. O Médici era um sujeito de uma integridade sem limites!
Mas é conspirado o ditador mais cruel, governou em meio às torturas… eu fui preso no tempo do Médici…
Mas ele nunca fechou o Congresso…
E o Geisel fechou.
Então, é isso aí. Ele nunca fechou o Congresso. E lá você tinha um problema complicado. Mas tudo isso, na minha opinião é um pouco irrelevante hoje. E o Figueiredo preparou a sucessão, quer dizer…ninguém conquistou… na verdade, a missão do Figueiredo era entregar o governo aos civis…
Já era a missão dele?
É lógico! Tanto é verdade que antes de ele tomar posse o Geisel eliminou todos os instrumentos do regime autoritário. Abriu mesmo. Fez a anistia… aquilo foi um processo…programado… hoje tem muita mãe… mas tem só um pai.
Ô Delfim, por que você não escreve um livro de memórias?
Não… eu não tenho tempo.
Está todo mundo fazendo isso. Até o Fernando Henrique escreveu suas memórias do Planalto…leu?
O livro é melhor que o governo!
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