A Cidade Administrativa é um monumento à propina
Me senti dentro das páginas do livro “Autoimperialismo”, de Benjamin Moser, ao visitar Belo Horizonte, semanas atrás. No aeroporto de Confins, peguei um táxi rumo à Praça da Liberdade, no coração da cidade. O trânsito na rodovia fluiu bem por alguns quilômetros, até que tudo parou.
De repente surgiu à direita o imenso conjunto de construções brancas com vidros pretos, a Cidade Administrativa, uma aberração arquitetônica inaugurada no governo de Aécio Neves (PSDB), quintessência da chamada “arquitetura monumental” ou faraônica.
“Trata-se da mais cara obra do tucano nos oito anos em que permaneceu à frente do Estado, entre 2003 e 2010”, informou a capa da Folha (26/6). Faltou dizer que além de “a mais cara de Aécio”, é certamente uma das mais inúteis do Brasil desde a inauguração de Brasília, em 1960.
O custo total do “Palácio de Aécio”, R$ 1,2 bilhão, correspondente ao orçamento inicial para a construção da linha 3 do Metrô de BH; seria suficiente para construir e manter um hospital de grande porte por dez anos; idem para centenas de escolas… O leitor pode eleger um milhão de coisas úteis para o povo de Minas que poderiam ser feitas com o R$ 1,2 bilhão que foi para o ralo.
Em que país democrático, no século 21, a principal realização de um governante poderia ser a construção de seu gabinete? Só no Brasil do “autoimperialismo”. Há 50 anos, outro mineiro, alçado à Presidência, levou megalomania semelhante ao Planalto Central, com danos para a economia e a moral brasileiras até hoje.
Cito só um claro efeito negativo: longe das metrópoles, o poder não se submete à pressão popular. O ronco das ruas de verdade não chega aos palácios das cidades imperiais, exatamente porque elas são construídas longe dos centros vivos: os reis da França moravam em Versalhes, não em Paris; o imperador do Brasil morava em Petrópolis, fora do Rio; Juscelino levou os palácios para Brasília… Se a capital brasileira fosse o Rio, o grito das ruas teria forçado eleições diretas em 1984 e a queda de Dilma em 2013.
É preciso dar um desconto a Juscelino: 60 anos atrás, não se falava de poluição e aquecimento global. Não considerar isso no projeto de uma obra no século 21 é prova de irresponsabilidade ou desinformação doentia.
A impropriedade não se restringe ao custo bilionário da obra inútil: uma vez inaugurada, ela eterniza gastos imensos de energia, perda de tempo e emissão de poluentes com o deslocamento de pessoas até a pirâmide; congestiona vias e força a construção ou ampliação de novas artérias. No caso de Minas, são 30 mil pessoas forçadas a uma viagem diária de 20km para ir e voltar ao trono de Aécio.
E tudo isso por quê? A resposta veio nas semanas seguintes, nas notícias sobre a delação premiada do presidente da OAS e a auditoria da Andrade Gutierrez (Folha, 13/7): ambas dizem ter pago percentuais sobre os custos da obra.
Assim como a transposição do rio São Francisco, as hidrelétricas na Amazônia, as refinarias inacabáveis e tantas outras realizações surrealistas dos governos do Brasil recente, seu fim não é o que parece. A corrupção se autonomizou e submeteu todas as outras razões. A obra é feita para girar o caixa das empreiteiras. Depois, os “autoimperialistas” criam a desculpa. A Cidade Administrativa é um monumento à propina.