Se você acha que ter uma arma vai te deixar mais forte, esqueça; se você pensa que ter uma arma, vai fazer com que você se coloque em pé de igualdade com o cara imaginário que saiu de casa para te roubar, deixe estar; se você acha que ter uma arma vai te ajudar a proteger sua família contra os males do mundo, lamento dizer que isso não vai ocorrer; se você acha que ter uma arma vai fazer sua virilidade aumentar, não caia nessa; se você acha mesmo que ter uma arma vai dar um suporte de segurança e lhe vai permitir ir a locais nunca dantes navegados, tire o cavalo da chuva.
O porte arma, se for autorizado ou facilitado, não trará nenhuma melhora na segurança das pessoas. Antes, vai expô-las, como nunca, à violência.
São muitas as razões que levam alguém a armar-se, a colocar um trabuco, reluzente ou discreto, na cinta, ou escondido na altura do tornozelo, ou no paletó, onde, enfim, os movimentos corporais mais depressa se apossem dele. A primordial, a sensação de segurança.
Melhor dizendo, sensação de insegurança. Exatamente porque me sinto muito inseguro e, portanto, desprotegido, eu vou me armar. Sentir-se inseguro equivale a sentir-se ameaçado e uma pessoa ameaçada, seja real ou falsa a ameaça, efetivamente sentida, está a um passo de se tornar paranoica e poderá atirar em quem for inteiramente inocente, mas que, por alguma razão, apertou o botão vermelho do medo daquele que tem um trabuco na mão.
A sensação de insegurança não se combate com armas e um arsenal de guerra não a diminui. Ao contrário, para justificá-lo, só mesmo com argumentações paranoicas de uma violência disseminada a todos os lugares possíveis de ir. Sim, quanto mais armado estiver, mais ameaçado me sinto e, pois, mais inseguro eu estou. Armado e inseguro, amedrontado e acuado, correndo de monstros reais e imaginários, criando inimigos, vendo sombras se moverem atrás de mim, estou sempre a um passo da tragédia, muito mais próximo da tragédia do que da autoproteção.
Estudos mundialmente aceitos associam índices de suicídio à facilidade de obtenção de armas de fogo. Desesperançado, sentindo-se irremediavelmente solitário, sem forças para carregar o peso da vida, absolutamente sem enxergar saídas, ter um velho e eficiente 38 por perto pode ser fatal. Eu, ao longo de mais de trinta anos, cansei de ver gente de todas as idades e sexo, condições econômicas e grau de escolaridade, explodirem seus miolos. Não fosse a arma por perto, cairiam bêbados de sono em algum lugar e, no dia seguinte, destroçados pela ressaca, sairiam para vida, ainda que fosse uma vida de merda.
Ter a arma guardada no armário de casa não fará famílias mais protegidas. Um bêbado furioso, com armamento em casa, pode ser mais destruidor que um coletivo de ladrões. O senhor das armas será o Chefe do Clã, o macho alfa e todos estarão submetidos a seu poder bélico. Todos, menos os ladrões, que contam sempre com o fator surpresa, esse mesmo que demole defesas adversárias no futebol. Ter a arma em casa não fará a menor diferença em uma hora como essa, a menos que se queira viver ao vivo uma cena de filme B e colocar todos da família que tanto se quis proteger sob sério risco.
A arma não faz ninguém ser mais ou menos viril, acredite, se você for daqueles que vier a se sentir mais macho com um pau de fogo na mão. Pelo contrário, essa falsa sensação de onipotência que dá a impressão de aquecer a alma poderá trazer situações de risco jamais imaginadas, porque a onipotência pode nos tornar imprudentes e fazer com que queiramos enfrentar situações que, em condições normais de temperatura e pressão, faríamos tudo para evitar. Se for essa a questão, na farmácia da esquina deve ter um comprimidinho que resolve esse problema, sem precisar disparar um único tiro.
Quem nos convenceu de que devemos ou deveríamos andar armados? Quem nos passou esse cheque sem fundos da autoproteção? A indústria nacional armamentista que não se conforma por não poder atuar livremente em um mercado de quase duzentos milhões de consumidores certamente é um dos que apagam o fogo do medo com o querosene do sensacionalismo midiático. Se temos TVs e tablets aos montes, por que não teríamos armas também, pagas em mil vezes no cartão!
Querer ter armas faz de nós os otários consumidores do placebo – nome que se dá a remédios absolutamente inoperantes – para uma doença que retroalimentamos todos os dias: a violência urbana. Dói ver que muitos acreditam nesse milionário conto do vigário armado e querem a todo custo comprar o bilhete premiado da arma de fogo.
Se essa insanidade pública acontecer, quem quiser entrar nessa, que seja obrigado a colocar um adesivo de uma pistola na porta de casa, no vidro do carro e traga a arma, ostensivamente, para fora da camisa. Não seja por nada, temos o direito de passar longe dessa turma.
Roberto Tardelli é Procurador de Justiça aposentado (1984/2014), onde atuou em casos como de Suzane Von Richthofen. Atualmente é advogado da banca Tardelli, Giacon e Conway Advogados, Conselheiro Editorial do Portal Justificando.com e Presidente de Honra do Movimento de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.