O presidente pensa que pode blefar com os chineses e que um ataque contra a Coreia do Norte terá consequências limitadas. Está errado nas duas conclusões.
Enquanto a marinha dos Estados Unidos se aproxima da península coreana, a Coreia do Norte (CN) ameaça contra-atacar as bases dos EUA e contra a Coreia do Sul (CS) e a China alerta para a possibilidade de guerra, a pergunta ainda sem resposta é: existe realmente uma estratégia por trás desses movimentos?
Dificilmente pode ser encarado como uma novidade ver um porta-aviões dos Estados Unidos nas proximidades da Península Coreana, e quando os EUA ameaçam tomar medidas unilaterais contra a CN estão apenas repetindo ameaças já feitas antes por várias vezes. É de conhecimento geral que as administrações de Clinton, George W. Bush e Obama consideraram seriamente bombardeios preventivos contra a CN, sendo certo que a administração Clinton chegou bem perto de realizar a façanha. Todas as três administrações, porém, desistiram da medida ao avaliar que a consequência poderia ser uma guerra que devastaria a Península Coreana.
No caso da administração Clinton, a avaliação foi que uma possível retaliação da Coreia do Norte poderia envolver ataques maciços de artilharia pesada contra a capital da Coreia do Sul, Seul, onde poderiam acontecer mais de um milhão de mortes. A avaliação parece ter sido muito exagerada. No entanto, desde que Seul aumentou de tamanho, mais subúrbios foram construídos perto da fronteira com a Coreia do Norte (trazendo-os para mais perto do alcance da artilharia norte coreana). Além disso, a CN adquiriu armas nucleares e (talvez) a capacidade de usá-las. O que era um exagero em 1994 pode muito bem não ser mais.
Nos bastidores de tudo, há uma grande incerteza sobre o que exatamente um bombardeio preventivo dos Estados Unidos poderia atingir, caso aconteça. O programa nuclear da CN é conhecido por ser fortemente defendido e disperso pelo país, com muitas de suas instalações profundamente encravadas em subterrâneos. Um bombardeio limitado por mísseis de cruzeiro como o que foi feito na Síria pode não alcançar nenhum resultado prático e provavelmente provocaria forte reação da Coreia do Norte. Em contrapartida um ataque em escala total contra a Coreia do Norte – que tem poder nuclear – pode arriscar a detonar uma guerra total na Península Coreana, que poderia ser potencialmente devastadora, e, dada a capacidade que a CN tem de lançamento de mísseis, poderia se espalhar para o Japão.
Não há sentido em nenhum cálculo racional quanto a um ataque preventivo dos Estados Unidos contra a Coreia do Norte, e sob qualquer outra administração, já estaria sendo cogitada a possibilidade de não atacar, e desistir do último movimento dos EUA como um blefe vazio.
A razão pela qual desta vez é impossível fazer isso não está em qualquer mudança que tenha ocorrido na Península Coreana desde que as administrações prévias consideraram seriamente e depois abandonaram a opção de uma ação militar, mas porque depois do ataque contra a Síria, ninguém mais pode estar seguro de que as decisões da política externa desse presidente e de sua administração estão sendo tomadas de maneira ordenada e racional. Em vez disso, parece que estas decisões são tomadas muito mais por impulso de momento e por preocupações sobre “aparências”, com o presidente tomando decisões repentinas, com os seus conselheiros aparentemente incapazes ou não desejosos de conter o homem.
Até onde é possível ver uma estratégia por trás dos últimos movimentos dos EUA, este parece ser uma tentativa de amedrontar os chineses para que abandonem a Coreia do Norte, ameaçando-os com uma guerra na Península Coreana se eles não obedecerem. Para dourar a pílula, apresentam como isca um belo acordo comercial.
Este é o tipo de comportamento de confronto que pode fazer sentido para os empresários do setor imobiliário que Trump conhece bem. No entanto, o problema com essa atitude abertamente amadorística é que não leva em consideração os fortes sentimentos chineses.
Mesmo sendo duvidoso que a maioria dos chineses se importem com o destino da Coreia do Norte, a liderança chinesa pode ter que enfrentar uma grave crise interna se aparentemente se render às exigências dos Estados Unidos e demonstrar medo frente às ameaças de Trump. Um ataque ou a ameaça de ataque dos Estados Unidos contra a Coreia do Norte pode, por conseguinte, ser mais capaz de reforçar que diminuir o apoio chinês à CN.
O presidente Trump e seus conselheiros cometeram o mesmo erro na avaliação da sequência dos ataques contra a Síria. Nos dias que se seguiram, o presidente e seus conselheiros pareciam acreditar – e foram encorajados a isso pelos britânicos – que o ataque de mísseis poderia fazer os russos diminuírem seus apoio ao presidente sírio Bashar Al Assad. Como se o suborno fosse uma coisa admirável, eles, como estão fazendo agora com a China, também ofereceram para a Rússia a perspectiva de melhores relações para tornar o negócio todo mais palatável.
Acontece que os russos nem se intimidaram com o ataque de mísseis nem aceitaram o suborno. Pelo contrário, em vez de sair da Síria ou reduzir seu apoio a Assad, sua resposta foi aumentá-lo.
Não há razão para acreditar que a reação dos chineses a um ataque (norte)americano contra a Coreia do Norte seja diferente. Pelo contrário, dada a grande sensibilidade demonstrada pelos chineses em questões de prestígio, um fortalecimento da posição chinesa em face de um possível “agressão” dos EUA contra o continente asiático é uma virtual certeza.
O problema é que tendo permitido que as coisas chegassem a esse ponto, o presidente pode sentir que não pode mais voltar atrás sem ser humilhado, e dada a sua também enorme sensibilidade às “aparências” e à incapacidade de seus principais auxiliares em política externa – Mattis McMaster e Kushner – em refreá-lo (Tillerson parece estar ainda mais mal na foto), as consequências potenciais são assustadoras, para dizer pouco.
É, portanto, de uma importância desesperadora nesta situação que o presidente ou volte a ter bom senso e aceite seja qual for a saída honrosa que os chineses lhe ofereçam – não importa o quão vazia de conteúdo seja – ou que seus conselheiros finalmente encontrem uma maneira de segurar sua impetuosidade. Uma falha nestas questões pode ser caminho certo para a catástrofe, agora ou em futuro próximo.
Embora humilhante, a alternativa pode ao menos ensinar ao inexperiente presidente e a seus conselheiros que a primeira lei das relações internacionais é nunca tentar blefar com a China, porque a China sempre vai pagar para ver.