Movimentos populares, entidades sindicais e partidos políticos do campo progressista conseguiram, pela primeira vez desde 2013, colocar mais gente nas ruas que as forças conservadoras.
O comparecimento à jornada do dia 16 de dezembro bateu, com folga, as falanges que marcaram presença no dia 13. O placar fechou em 250 mil vermelhos contra 65 mil azuis.
O destaque ficou por conta da quantidade de cidades envolvidas, mais de quarenta, e a intensa participação da juventude, boa parte de forma espontânea e sem estar integrada às organizações tradicionais.
De alguma forma, reaviva-se o clima do segundo turno das presidenciais de 2014.
Seria prematuro afirmar que a esquerda esteja virando o jogo a seu favor, na longa disputa que divide o país. Mas é fato que a perspectiva de impedimento presidencial, moldado por armações antidemocráticas, vai disseminando sentimento de resistência ao retrocesso e ao atropelo institucional.
A resposta oferecida a essa situação tem sido decisiva.
Não se trata de apoiar o governo Dilma contra seus oponentes, mas de defender a democracia contra seus inimigos.
Esta é narrativa que vem permitindo unificar, em uma mesma corrente de mobilização, da ortodoxia governista a parcelas consideráveis da oposição de esquerda, passando por amplos setores da sociedade que mergulharam no desalento após as eleições de 2014, frustrados pela guinada à direita do segundo mandato da presidente reconduzida.
Não é à toa o caráter autônomo das manifestações, convocadas por coalizões de movimentos nas quais partidos de governo — como o PT e o PC do B — exercem papel secundário, abrindo espaço para um novo pacto de unidade e ação no bloco progressista.
A ferramenta mais interessante desta empreitada talvez seja a Frente Brasil Popular. Organizadora principal do 16D, está se consolidando como sujeito relevante no intrincado tabuleiro político do país.
Nascida fora da lógica eleitoral, possui liberdade para combinar defesa da democracia com forte ativismo pela mudança programática do governo e sua composição ministerial.
Com o advento da FBP, em conjunto com outras alianças do gênero, a esquerda recupera chance de se emancipar do papel de apêndice da institucionalidade, readquirindo protagonismo na disputa dos rumos de uma administração policlassista e pluripartidária.
Outras legendas também compõem a frente, além de petistas e comunistas, mas sua agenda não está pautada pela dinâmica das urnas.
O objetivo fundamental desta iniciativa, ao menos na etapa atual, é reorganizar forças na sociedade que sejam capazes de criar novas condições para a construção da hegemonia dos trabalhadores sobre o processo político, de fora para dentro do Estado.
Apenas três meses de fundada, a Frente Brasil Popular revelou poder de fogo em sua avant-première.
Certamente não foi a única responsável pela mobilização multitudinária da última quarta-feira, mas sua orientação política passou vitoriosamente por importante teste.
Ao associar a campanha contra o golpe à crítica da política econômica, mesclando ambas posições à reivindicação de degola do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, estabeleceu programa mínimo necessário para unir, de forma generosa, o conjunto do campo progressista.
O conservadorismo contava com a paralisia da esquerda, desnorteada e dividida pelas decisões adotadas pelo governo em 2015, mas foi surpreendido por sua capacidade de reinvenção, no momento mais decisivo da escalada antidemocrática.
Também a presidente exibe sinais, embora tímidos, de compreender que não haverá saída positiva para a crise sem restabelecer conexão com as bases sociais que permitiram sua reeleição, o que depende de redirecionamento robusto das políticas de governo.
A audiência da chefe de Estado com uma delegação da FBP, no dia seguinte às mobilizações, expôs a essência do problema: as forças que defendem a legalidade de seu mandato também reivindicam programa de emergência para a retomada do crescimento econômico, a proteção do emprego e a recuperação da renda familiar, com diminuição da taxa de juros e retomada do investimento público.
A presidente foi solicita e atenciosa, buscou dialogar com críticas e demandas, mas ainda não parece decidida sobre o caminho a tomar diante da encruzilhada na qual está paralisada sua gestão.
O cenário, portanto, ainda é turvo e perigoso.
O golpismo viveu, de toda maneira, sua pior semana, ao mesmo tempo em que o Palácio do Planalto resolveu suspender, ainda que tropegamente, a linha de recuo desordenado que estava em vigência desde janeiro.
A contribuição das manifestações populares do dia 16 na reconfiguração da situação política não deve ser menosprezada.
O impeachment está mais distante, ainda que a ameaça continue real e visível.
O deputado Eduardo Cunha está subindo lentamente a escada para o patíbulo.
Joaquim Levy já não é mais ministro, mesmo que sejam muitas as dúvidas do que se passará com a política econômica.
Não é nada, não é nada, já é alguma coisa.
Para as forças progressistas, o ano termina um pouco melhor do que começou.