O FATO
No dia 30 de março de 2021, terça-feira por volta das 07h20, na rodovia MGC-146, que liga esta cidade à Tapira, próximo ao km 174, na zona rural deste município, o automóvel Fiat Uno Mille Economy, placa HKW-4048, ocupado por três pessoas colidiu contra o ônibus Mercedes-Benz MPolo Ideale, placa OUI-5981, que deslocava em sentido contrário. O motorista do automóvel faleceu no mesmo dia e os dois passageiros ficaram gravemente feridos.
Na notícia crime, consta que a causa presumida do fato teria sido ultrapassagem proibida, uma vez que o choque entre o Fiat Uno e o ônibus supostamente teria ocorrido em região da rodovia com faixa dupla contínua, na mão contrária aquela destinada ao automóvel.
Ficou comprovado que, quilômetros antes do local dos fatos, o motorista do Ford Cargo havia tentado jogar o Fiat Uno para fora da pista, depois de se irritar com uma manobra súbita do motorista do automóvel, que não conseguindo realizar uma ultrapassagem retornou repentinamente na frente do Ford cargo.
Depois, já estando na MGC-146 os motoristas do Mercedes-Benz branco e do Mercedes-Benz vermelho realizaram manobras de modo a dificultar e impedir a ultrapassagem do automóvel, possibilitando que fosse alcançado pelo Ford Cargo. Reforçaram que o Fiat Uno perdeu o controle quando foi tocado pelo Ford Cargo, havendo fortes indícios de que o primeiro toque do caminhão foi na lateral esquerda do carro (lado do motorista), fazendo com que o motorista do automóvel perdesse o controle direcional, atravessasse na frente do Ford Cargo, sendo novamente atingido com mais intensidade, depois invadindo um barranco e sendo colhido pelo ônibus que seguia em sentido contrário.
Ficou comprovado que os motoristas conversaram entre si por meio de rádio PX. Os motoristas dos caminhões Mercedes-Benz branco e vermelho realizaram zigue-zague na pista, dificultando e impedindo a ultrapassagem do Fiat Uno, que veio a ser alcançado pelo Ford Cargo.
HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO
Para a Polícia Civil retsou transparente que o fato aqui apurado não se tratou de mero crime de trânsito que gerou a morte de uma pessoa e outras duas ficaram gravemente feridas. A causa presumida indicada na ocorrência policial, ultrapassagem proibida, que atribuía à vítima fatal a responsabilidade sobre o ocorrido, foi fulminada pelas provas produzidas durante esta investigação.
As oitivas das vítimas sobreviventes foram harmônicas com os fatos apurados, tendo relatado a insatisfação do motorista do Ford Cargo na primeira ultrapassagem, quando o caminhoneiro tentou pela primeira vez contra a vida dos ocupantes do Fiat Uno. Os ocupantes do automóvel admitiram terem esbravejado contra o motorista do Ford Cargo na segunda ultrapassagem na MGC-16.
Os dois motoristas dos caminhões Mercedes-Benz branco e vermelho admitiram que realizaram manobras com o objetivo de dificultar a ultrapassagem do Fiat Uno. Alegaram que não tinham a intenção de ferir ou causar a morte de qualquer dos ocupantes. O motorista do Mercedes vermelho admitiu ter emitido ordem para que o motorista do caminhão branco interceptasse o automóvel. Ambos destacaram que no momento da perda do controle direcional, Fiat Uno e Ford Cargo, nesta ordem, estavam na contramão de direção. Não souberam precisar como se deram os toques entre o caminhão e o veículo onde estavam as vítimas.
O motorista do Ford Cargo preferiu manter a versão apresentada em seu primeiro interrogatório. Alegou que estava na sua mão de direção, quando o motorista do Fiat Uno tentava ultrapassar o caminhão branco. Sustentou que não colidiu, resvalou ou encostou contra o Uno. Disse que, sem sua interferência, o motorista do automóvel perdeu controle direcional, atravessando o automóvel na frente do Ford Cargo, tornando o choque inevitável. Mesmo tendo sua versão confrontada pelos demais acareados, o motorista do Ford Cargo nada quis acrescentar na acareação.
A versão dele foi rebatida. A alegação de que estava na mão de direção é afastada pelos demais investigados, pelos sobreviventes e pela perícia. Frames extraídos das imagens coletadas pelo celular de um dos passageiros do Fiat Uno trouxeram à investigação que (i) o Ford Cargo não aparece na imagem refletida pelo retrovisor direito – lado do passageiro; (ii) estando o carro ainda em atrito no barranco, é possível verificar que o Ford Cargo está retornando da contramão para sua mão de direção, parte relevante do caminhão ainda está mais a esquerda da via; (iii) ainda estando o carro no barranco percebe-se o Ford Cargo extremamente próximo ao carro, é observar detalhes da gabinete do caminhão.
A comunicação de serviço elaborada pelo Investigador de Polícia e o laudo pericial foram elucidativos para demonstrar a dinâmica dos fatos, sua causa, circunstâncias e responsabilidade.
Pela postura até então adotada, o motorista do Ford Cargo tentou deixar transparecer ter sido a morte causada por acidente de trânsito provocado pela vítima. Pensou que, com isso, se esquivaria da responsabilidade penal que lhe deve ser aplicada. Todavia, não se tem dúvidas que este caminhoneiro não apenas assumiu o risco, mas efetivamente desejou causar a morte dos ocupantes do Fiat Uno. Apesar de não ter conseguido na sua primeira investida, alcançou o resultado em relação ao motorista do Uno e não causou a morte dos demais passageiros por circunstâncias alheias à sua vontade. Agiu com dolo direto. Quem, conduzindo um caminhão de quase sete toneladas, joga-o contra um automóvel de 810 quilos, ambos em alta velocidade, não apenas assume o risco ou aceita o resultado, mas age para matar, para tirar a vida, com animus necandi.
Lado outro, os motoristas dos caminhões Mercedes-Benz, conduzindo seus veículos de maneira imprudente, em alta velocidade, realizando manobras não permitidas e que colocavam em risco a segurança de outros usuários da via, contribuíram para o crime, dificultando e interceptando o Fiat Uno ocupado pelas vítimas. Caso não tivessem adotado este comportamento, o automóvel e seus ocupantes teriam se desvencilhado do ataque de Ford Cargo. É permitido alcançar o entendimento, segundo qual, os motoristas dos caminhões Mercedes tinham consciência de que o condutor do Ford Cargo buscava atacar a integridade física do motorista e dos passageiros do Fiat Uno. As circunstâncias anteriores indicavam que o Ford Cargo não almejava tão somente assustar ou intimidar as vítimas, mas ofendê-las fisicamente. Assim, os outros dois caminhões, assumiram o risco de provocar o resultado, agiram com dolo indireto. Para melhor compreensão, basta pensar no exemplo em que A e B fecham a porta de uma sala evitando que C fuja de seu desafeto D, conhecido por andar armado, que se aproxima. Conhecedores da desavença e impedindo a fuga de C, os dois primeiros aceitam o resultado que possam advir depois do encontro dos desafetos. Neste contexto, D entra na sala, dispara sua arma e mata C.
Dois investigados fugiram do local dos fatos e nada fizeram para tentar minimizar os efeitos de suas condutas, sendo que o motorista do Ford Cargo voltou tempo depois, mas apresentou versão que se apresentou mentirosa. O motorista do Mercedes vermelho, ao seu tempo, foi obrigado a estabilizar seu caminhão. Dirigindo-se às vítimas prestou socorro, acalentou-as, exigiu a presença dos demais envolvidos, ou seja, ações tendentes a influenciar na eventual reprimenda que venha a ser aplicada.
Verifica-se, ainda, que as ações dos investigados derivaram de motivo fútil, resultaram em perigo comum e impossibilitaram a defesa das vítimas.
A motivação teria sido a insatisfação de condutor do Ford Cargo por uma manobra de ultrapassagem arriscada feita pelo motorista do Uno, quilômetros antes, obrigando-o a voltar na mão de direção logo à frente do citado caminhoneiro. No horário do ocorrido, por volta das 07h, existe grande fluxo de veículos no trajeto Araxá-Tapira. Inúmeras pessoas se deslocam para atividades rurais ou para a mineradora Mosaic. O modo com que agiram os motoristas colocou em risco potencial dezenas destes usuários da via. Por último, a ação articulada dos três veículos de carga inviabilizou totalmente as chances de defesa dos ocupantes do automóvel.
De outra banda, lamentáveis, dignos de forte crítica e de enquadramento penal foram os comportamentos de dois produtos rurais, pai e filho. Ambos tiveram ciência das circunstâncias ilícitas do crime. O pai compareceu ao local do evento, conversou com a vítima Jonathan, foi informado do comportamento acintoso dos motoristas, que causou o choque do automóvel contra o ônibus. O pai deixou de repassar os fatos aos policiais militares, perito e bombeiros que estiveram no local. Preocupou-se com sua lavoura, as batatas que estavam fora da terra e podiam se deteriorar, e de entregar da mercadoria em Pouso Alegre. Ele e o filho mantiveram o motorista do Mercedes Benz na fazenda, guardaram o caminhão e omitiram a polícia a localização do veículo. Favoreceram este investigado. Além disso, ao serem inquiridos, na condição de testemunhas, calaram a verdade sobre o que tiveram conhecimento pela vítima e pelos investigados.
O motorista do Ford Cargo foi indiciado nas sanções do artigo 121, § 2º, II, III e IV, do Código Penal, em relação ao motorista do Fiat Uno; e artigo 121, § 2º, II, III e IV, combinado com artigo 14, II, ambos do Código Penal, no que se refere aos sobreviventes;
O motorista do Mercedes branco foi indiciado nas sanções do artigo 121, § 2º, II, III e IV, combinado com artigo 29, ambos do Código Penal, em relação ao motorista do Fiat Uno; e artigo 121, § 2º, II, III e IV, combinado com os artigos 14, II, e 29, todos do Código Penal, no que se refere aos passageiros;
O motorista do Mercedes vermelho, até então qualificado como testemunha na ocorrência policial, foi indiciado nas sanções do artigo 121, § 2º, II, III e IV, combinado com artigo 29, ambos do Código Penal, em relação ao motorista do Fiat Uno; e artigo 121, § 2º, II, III e IV, combinado com os artigos 14, II, e 29, todos do Código Penal, no que aos passageiros;
O pai e o filho produtores de batata foram indiciados nas sanções dos artigos 342 e 348, ambos do Código Penal;
OUTRAS MEDIDAS
• REPRESENTAÇÃO PELA PRISÃO PREVENTIVA do motorista do Ford Cargo, e pela liberdade dos demais
• SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR dos três caminhoneiros
• MANUTENÇÃO DA APREENSÃO DO CAMINHÃO FORD CARGO E DO BLOQUEIO DE INALIENABILIDADE
ASCOM-PCMG