O respeito às diferenças existentes entre cada ser humano constitui pressuposto de uma
sociedade democrática que, como tal, reconhecendo a singularidade de cada indivíduo e a
complexidade que disso emerge, assegura-lhe direitos e garantias que, em verdade, são inerentes
a toda e a qualquer pessoa.
Nesse diapasão, o reconhecimento de direitos e garantias referentes à liberdade de um ser
humano (inclusive no que tange à sua orientação sexual) representa não uma faculdade ou um
“favor” conferido pelo Estado para o deleite de pessoas determinadas. Não se trata de algo
guardado no campo do supérfluo da existência humana.
Com efeito, a liberdade atinente à orientação sexual de cada pessoa, assim como, por exemplo, a
sua liberdade de consciência, de pensamento e de expressão, encontra inquestionável guarida na
esfera dos direitos humanos fundamentais, porquanto intrínseca e visceralmente ligada ao
indivíduo.
Partimos da premissa óbvia de que um ser humano, em toda sua particularidade, ostenta
qualidades próprias, que lhe são indissociáveis, e que possui gosto e preferências próprios, jamais
subtraídos pela opinião alheia. Daí soar evidente que eventual tentativa de constrangê-lo a
“optar” por aquilo que não se coaduna com uma simples “opção”, ofenderia a sua dignidade como
pessoa, atentaria contra suas preferências e afeições, contrastando, ademais, com a diversidade
natural havida entre os seres humanos em suas respectivas predileções.
Urge destacar que a República Federativa do Brasil possui como um de seus objetivos
fundamentais promover o bem de todos, sem qualquer espécie de discriminação (art. 3°, IV, da
CRFB), sendo certo que o princípio da dignidade da pessoa humana (fundamento da República ¿
art. 1°, III, da CRFB) e o princípio da igualdade (art. 5°, caput, da CRFB) impõem o respeito social à
diversidade e obstam que a realidade vivenciada por uma pessoa que se relaciona sexual e
afetivamente com outra do mesmo sexo seja ignorada pelo Estado, porquanto, necessariamente,
aos pares homoafetivos deve ser assegurada a mesma proteção conferida às pessoas que
preferem constituir família com alguém do sexo oposto, em virtude dos princípios aludidos, e, por
óbvio, porque isso expressa autonomia de vontade, tendo o ser humano liberdade para dispor da
própria sexualidade.
Ademais, preconiza a Carta Magna que a família é a base da sociedade e tem especial proteção do
Estado (art. 226, caput), e que é livre o planejamento familiar (art. 226, §7°).
Além do encimado, a Constituição da República estabelece, como direitos fundamentais
invioláveis, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
No entanto, a despeito de tantas garantias inseridas na Carta Magna, são fatos corriqueiros a
discriminação, a humilhação e, não poucas vezes, a violência física, praticadas por seres humanos
contra outros seres humanos, em razão, simplesmente, da “colisão” entre suas orientações
sexuais.
Segundo a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, no ano de 2011 foram
denunciados ao poder público federal 515 casos de homofobia ocorridos no Estado do Rio de
Janeiro, e noticiados, na imprensa, 25 casos de violações cometidas em face do segmento LGBT,
além de 20 casos de homicídio. (Fonte: Relatório Sobre Violência Homofóbica no Brasil: ano 2011
– elaborado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em 2013).
No ano de 2011, segundo consta do Relatório mencionado, o Rio de Janeiro foi o terceiro Estado
onde mais houve casos de homofobia, ficando atrás apenas de São Paulo e de Minas Gerais.
Em face da violência verificada, é imperioso frisar e repisar que, pelo ordenamento jurídico
vigente, cada pessoa, em sua intimidade, com o consenso de outrem que tenha a plena capacidade
de discernimento, com quem venha a se relacionar sexualmente, e desde que não incida em
nenhum crime, possui a plena liberdade de escolha do ato libidinoso. Assim, se tal prática sexual
em nenhum momento afeta a vida de terceiro, a pura discriminação denota ato de “imposição de
preferência”, que faz transbordar o mar do desarrazoado.
De outro lado, cumpre sublinhar e enaltecer que não somente as preferências de cada pessoa, mas
também a aparência por ela externada em nada atingem diretamente a vida de terceiro que,
porventura, não sinta agrado por aquela aparência. Vale dizer e reconhecer que somos desiguais,
em nossa igualdade.
Dessa forma, revela-se, além de inconstitucional e ilegal, incompreensível o preconceito que
ocorre contra homossexuais, bissexuais, transexuais, enfim, contra aqueles que são apontados,
inacreditavelmente, como pessoas supostamente imbuídas de “depravação”, como se pessoas
heterossexuais, atraídas por pessoas do sexo oposto, não praticassem ou não pudessem praticar,
em sua vida privada, os atos libidinosos que reputam prazerosos. A liberdade sexual deve ser
reconhecida como um direito essencial de todo ser humano.
Em decisão histórica, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em conjunto, a Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 132-RJ e a Ação Direta de Inconstitucionalidade
n° 4.277-DF, reconheceu a União Estável Homoafetiva como Instituto Jurídico equivalente à
União Estável Heteroafetiva:
“Ementa: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
(ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE
REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO
JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA
ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF
nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação
conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições
da ação. 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO
SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO
PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO
PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL.
HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO- POLÍTICO-CULTURAL.
LIBERDADE PARA DISPOR DA
PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE
VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O
sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido
contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de
preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir
frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio
normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como
saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver
juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”.
Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio
da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da
consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição
do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da
sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso
da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente
tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO
CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA”
NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A
FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL.
DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃOREDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial
proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu
coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se
formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou
por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão
“família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade
cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que,
voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a
sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal
lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria
Constituição designa por “intimidade e
vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares
homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no
igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como
figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da
interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também
se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de
1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria
sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter,
interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da
coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual
das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A
HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA
ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER
RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS
TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO.
IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR”
E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º
do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não
se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais
ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um
mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros.
Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta
de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu
parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”,
não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de
qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e
autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como
sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por
pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém
senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou
de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito
dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos
homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar
que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição,
emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e
garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e
dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte”. 5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À
FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo
Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular
entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união
homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem
embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova
forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo
do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6.
INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA”INTERPRETAÇÃO
CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO
FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em
sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não
resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de
“interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa
qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e
duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de
ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união
estável heteroafetiva.” (STF – ADPF 132 / RJ – RIO DE JANEIRO ARGÜIÇÃO DE
DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Relator(a): Min. AYRES
BRITTO Julgamento: 05/05/2011 Órgão Julgador: Tribunal Pleno ¿
Publicação DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL02607-01 PP-00001)
Registre-se que a decisão acima explicitada possui efeito vinculante relativamente aos demais
órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal,
estadual e municipal.
Apenas a título de ilustração, vale trazer a lume outras duas decisões do Supremo Tribunal
Federal, quando a questão em voga foi enfrentada por cada uma das duas Turmas, após o decisum
do Plenário, ocasiões em que, novamente, o Pretório Excelso apresentou fundamentos
irretocáveis:
“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE. UNIÃO
HOMOAFETIVA. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO RECONHECIMENTO E
QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO COMO
ENTIDADE FAMILIAR. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DAS REGRAS E
CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS VÁLIDAS PARA A UNIÃO ESTÁVEL
HETEROAFETIVA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. O Pleno do Supremo
Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.277 e da ADPF 132, ambas da
Relatoria do Ministro Ayres Britto, Sessão de 05/05/2011, consolidou o
entendimento segundo o qual a união entre pessoas do mesmo sexo merece ter a
aplicação das mesmas regras e consequências válidas para a união heteroafetiva. 2.
Esse entendimento foi formado utilizando-se a técnica de interpretação
conforme a Constituição para excluir qualquer significado que impeça o
reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo
sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família.
Reconhecimento que deve ser feito segundo as mesmas regras e com idênticas
consequências da união estável heteroafetiva. 3. O direito do companheiro, na união
estável homoafetiva, à percepção do benefício da pensão por morte de seu
parceiro restou decidida. No julgamento do RE nº 477.554/AgR, da Relatoria do
Ministro Celso de Mello, DJe de 26/08/2011, a Segunda Turma desta Corte,
enfatizou que “ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem
sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual.
Os homossexuais, por tal razão, têm direito de receber a igual proteção tanto das
leis quanto do sistema político-jurídico instituído pela Constituição da
República, mostrando-se arbitrário e inaceitável
qualquer estatuto que puna, que exclua, que discrimine, que fomente a
intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua
orientação sexual. (¿) A família resultante da união homoafetiva não pode sofrer
discriminação, cabendo- lhe os mesmos direitos, prerrogativas, benefícios e
obrigações que se mostrem acessíveis a parceiros de sexo distinto que integrem
uniões heteroafetivas”. (Precedentes: RE n. 552.802, Relator o Ministro Dias Toffoli,
DJe de 24.10.11; RE n. 643.229, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 08.09.11; RE n.
607.182, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 15.08.11; RE n.
590.989, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 24.06.11; RE n. 437.100, Relator
o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 26.05.11, entre outros). 4. Agravo regimental a
que se nega provimento.” (STF – RE 687432 AgR / MG – MINAS GERAIS AG.REG.
NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. LUIZ FUX
Julgamento: 18/09/2012 Órgão Julgador: Primeira Turma ¿ Publicação
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-193 DIVULG 01-10-2012PUBLIC 02-10-2012)
“E M E N T A: UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO –
ALTA RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO
PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS – LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL
DO RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL
HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR: POSIÇÃO CONSAGRADA NA
JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADPF 132/RJ E ADI
4.277/DF) – O AFETO COMO VALOR JURÍDICO IMPREGNADO DE
NATUREZA CONSTITUCIONAL: A VALORIZAÇÃO DESSE NOVO PARADIGMA
COMO NÚCLEO CONFORMADOR DO CONCEITO DE FAMÍLIA – O DIREITO À
BUSCA DA FELICIDADE, VERDADEIRO
POSTULADO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO E EXPRESSÃO DE UMA IDÉIAFORÇA QUE DERIVA DO PRINCÍPIO DA ESSENCIAL DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA – ALGUNS PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DA
SUPREMA CORTE AMERICANA SOBRE O DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA
DA FELICIDADE – PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA (2006):
DIREITO DE QUALQUER PESSOA DE CONSTITUIR FAMÍLIA,
INDEPENDENTEMENTE DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU IDENTIDADE DE
GÊNERO – DIREITO DO COMPANHEIRO, NA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA,
À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO DA PENSÃO POR MORTE DE SEU PARCEIRO,
DESDE QUE OBSERVADOS OS REQUISITOS DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL –
O ART. 226, § 3º, DA LEI FUNDAMENTAL CONSTITUI TÍPICA NORMA DE
INCLUSÃO – A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO – A PROTEÇÃO DAS
MINORIAS ANALISADA NA PERSPECTIVA DE UMA CONCEPÇÃO MATERIAL DE
DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL – O DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO
DE IMPEDIR (E, ATÉ MESMO, DE PUNIR) “QUALQUER DISCRIMINAÇÃO
ATENTATÓRIA DOS DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS” (CF, ART. 5º,
XLI) – A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O
FORTALECIMENTO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL: ELEMENTOS QUE
COMPÕEM O MARCO DOUTRINÁRIO QUE CONFERE SUPORTE TEÓRICO AO
NEOCONSTITUCIONALISMO – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. NINGUÉM
PODE SER PRIVADO DE SEUS DIREITOS EM RAZÃO DE SUA ORIENTAÇÃO
SEXUAL. – Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem
sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual.
Os homossexuais, por tal razão, têm direito de receber a igual proteção tanto das
leis quanto do sistema político- jurídico instituído pela Constituição da República,
mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna, que exclua, que
discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale
as pessoas em razão de sua orientação sexual. RECONHECIMENTO E
QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR. – O
Supremo Tribunal Federal – apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e
invocando princípios essenciais (como os da dignidade da pessoa humana, da
liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não
discriminação e da busca da felicidade) – reconhece assistir, a qualquer
pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por isso
mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade
familiar, atribuindo-lhe, em conseqüência, verdadeiro estatuto de cidadania, em
ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes
conseqüências no plano do Direito, notadamente no campo previdenciário, e,
também, na esfera das relações sociais e familiares. – A extensão, às uniões
homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas de
gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direta incidência, dentre outros, dos
princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança
jurídica e do postulado constitucional implícito que consagra o direito à busca da
felicidade, os quais configuram, numa estrita dimensão que privilegia o sentido de
inclusão decorrente da própria Constituição da República (art. 1º, III, e art. 3º, IV),
fundamentos autônomos e suficientes aptos a conferir suporte legitimador à
qualificação das conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo como espécie do
gênero entidade familiar. – Toda pessoa tem o direito fundamental de constituir
família, independentemente de sua orientação sexual ou de identidade de gênero. A
família resultante da união homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe
os mesmos direitos, prerrogativas, benefícios e obrigações que se mostrem
acessíveis a parceiros de sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas. A
DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DO AFETO COMO UM DOS FUNDAMENTOS DA
FAMÍLIA MODERNA. – O reconhecimento do afeto como valor
jurídico impregnado de natureza constitucional: um novo paradigma que informa
e inspira a formulação do próprio conceito de família. Doutrina. DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA E BUSCA DA FELICIDADE. – O postulado da dignidade da
pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio
essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte
que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País,
traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a
ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional
positivo. Doutrina. – O princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre,
por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da
dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de
afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função
de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões
lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar
direitos e franquias individuais. – Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer
exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado
constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma idéia-força que
deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do
Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse
princípio no plano do direito comparado. A FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A PROTEÇÃO DAS MINORIAS. – A proteção das
minorias e dos grupos vulneráveis qualifica-se como fundamento imprescindível à
plena legitimação material do Estado Democrático de Direito. – Incumbe, por isso
mesmo, ao Supremo Tribunal Federal, em sua condição institucional de guarda da
Constituição (o que lhe confere “o monopólio da última palavra” em matéria de
interpretação constitucional), desempenhar função contramajoritária, em ordem a
dispensar efetiva proteção às minorias contra eventuais excessos (ou omissões) da
maioria, eis que ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, à
autoridade hierárquico-normativa e aos princípios superiores consagrados na Lei
Fundamental do Estado. Precedentes. Doutrina.” (STF – RE 477554 AgR / MG –
MINAS GERAIS AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min.
CELSO DE MELLO Julgamento: 16/08/2011 Órgão Julgador:
Segunda Turma Publicação DJe-164 DIVULG 25-08-2011 PUBLIC 26-08-
2011 EMENT VOL-02574-02 PP-00287 RTJ VOL-00220- PP-00572)
No tocante ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, o Superior Tribunal de Justiça
decidiu, com fundamentos incriticáveis,
em julgamento de recurso especial, que pessoas homossexuais podem casar-se:
“DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO
(HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523,
1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.
INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O
CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA
CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA
CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N.132/RJ E DA ADI N.
4.277/DF.
1. Embora criado pela Constituição Federal como guardião do direito
infraconstitucional, no estado atual em que se encontra a evolução do direito
privado, vigorante a fase histórica da constitucionalização do direito civil, não é
possível ao STJ analisar as celeumas
que lhe aportam “de costas” para a Constituição Federal, sob pena de ser
entregue ao jurisdicionado um direito desatualizado e sem lastro na Lei Maior. Vale
dizer, o Superior Tribunal de Justiça, cumprindo sua missão de uniformizar o direito
infraconstitucional, não pode conferir à lei uma interpretação que não seja
constitucionalmente aceita.
2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI
n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme
à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da
união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade
familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família.
3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de
família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito
poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a
constituir esse núcleo doméstico chamado “família”, recebendo todos eles a
“especial proteção do Estado”. Assim, é bem de ver que, em 1988, não houve uma
recepção constitucional do conceito histórico de casamento, sempre considerado
como via única para a constituição de família e, por vezes, um ambiente de
subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da pessoa
humana. Agora, a concepção constitucional do casamento – diferentemente do que
ocorria com os diplomas superados – deve ser necessariamente plural, porque
plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário
final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, que
é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade.
4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição – explicitamente reconhecido
em precedentes tanto desta Corte quanto do STF – impede se pretenda afirmar que
as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do
Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais
heteroafetivos.
5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias
multiformes recebam efetivamente a “especial proteção do Estado”, e é tão somente
em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da
união estável em casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado
melhor protege esse núcleo doméstico chamado família.
6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado
melhor protege a família, e sendo múltiplos os “arranjos” familiares reconhecidos
pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela
optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as
famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos
axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade
das pessoas de seus membros e o afeto.
7. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito à
auto-afirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias. Em
uma palavra: o direito à igualdade
somente se realiza com plenitude se é garantido o direito à diferença. Conclusão
diversa também não se mostra consentânea com um ordenamento constitucional
que prevê o princípio do livre planejamento familiar (§ 7º do art. 226). E é
importante ressaltar, nesse ponto, que o planejamento familiar se faz presente tão
logo haja a decisão de duas pessoas em se unir, com escopo de constituir família, e
desde esse momento a Constituição lhes franqueia ampla liberdade de escolha pela
forma em que se dará a união.
8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não
vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se
enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros
princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da
dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar.
9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria, mediante seus
representantes eleitos, não poderia mesmo “democraticamente” decretar a perda
de direitos civis da minoria pela qual eventualmente nutre alguma aversão. Nesse
cenário, em regra é o Poder Judiciário – e não o Legislativo – que exerce um papel
contramajoritário e protetivo de especialíssima importância, exatamente por não
ser compromissado com as maiorias votantes, mas apenas com a lei e com a
Constituição, sempre em vista a proteção dos direitos
humanos fundamentais, sejam eles das minorias, sejam das maiorias. Dessa forma,
ao contrário do que pensam os críticos, a democracia se fortalece, porquanto
esta se reafirma como forma de governo, não das maiorias ocasionais, mas de todos.
10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume, explicitamente,
sua coparticipação nesse processo constitucional de defesa e proteção dos
socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob
pena de aceitação tácita de um Estado que somente é “democrático”
formalmente, sem que tal predicativo resista a uma mínima investigação acerca da
universalização dos direitos civis.
11. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1183378 / RS – RECURSO ESPECIAL
2010/0036663-8 Relator(a) Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140) Órgão
Julgador T4 – QUARTA TURMA Data do Julgamento 25/10/2011 Data da
Publicação/Fonte DJe 01/02/2012 RJTJRS vol.284 p. 59 RSTJ vol. 226 p. 602)
O Conselho Nacional de Justiça, atento à realidade e à alta relevância do tema, buscando
resguardar os direitos das pessoas que vivem relacionamento homoafetivo, editou a Resolução n°
175, de 14 de maio de 2013, que entrou em vigor no dia 16 de maio de 2013, estabelecendo, em
seu art. 1°, que “é vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de
casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo”.
Além disso, o art. 2° da Resolução trouxe a previsão de que “a recusa prevista no artigo 1°
implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis”.
Diante da conjuntura discriminatória constatada em nossa sociedade, esta Coordenadoria de
Direitos Humanos almeja contribuir para o combate à homofobia, inclusive municiando, sempre
que possível, os órgãos de execução do Ministério Público com atribuição, visando à adoção das pendências providências cabíveis.
Fonte: https://www.mprj.mp.br/documents/20184/86589/respeito_a_diversidade_sexual_e_aos_direitos_da_populacao_lgbt.pdf/